Saturday 21 August 2010

Cultura brasileira para inglês ver


Review critico que escrevi para o jornal de circulação nacional Brasil de Fato, publicado na edição impressa do dia 12 de agosto.


Primeira reflexão necessária para se falar sobre cultura brasileira no exterior, qual Brasil vamos abordar? Tarefa monumental, tão grande quanto o risco de se deixar de lado, proposital ou descuidadamente, alguns aspectos determinantes da própria diversidade; essa que conforma, paradoxalmente, uma das características mais celebradas, já quase também estereotipadas, do universo chamado Brasil.


Com esse desafio presente, o prestigioso Southbank Centre, em Londres, promove um dos maiores e mais importantes festivais sobre cultura brasileira já realizados no Reino Unido. O Festival Brazil se iniciou na metade de junho e só termina no começo de setembro e tem a ambição de ser o evento organizado por instituições britânicas capaz de captar e refletir o que o Brasil está pensando e fazendo hoje.


E pese o esforço por representar a pluralidade e fazer valer o rótulo de multicultural que tanta atenção internacional atrai para o Brasil, o eixo da programação se manteve numa linha já conhecida, portanto segura: é o apelo tropical, o Brasil litorâneo, colorido, praieiro.



São mais de 70 eventos em forma de concertos, debates, exposições, palestras, filmes e performances num dos mais renomados centros culturais da Europa com a presença de ícones como Gilberto Gil e Maria Betânia.


Mas eis a equação sem solução, o trinômio sol-samba-futebol, que povoa o imaginário da percepção estrangeira sobre o Brasil e conforma um clichê do qual muitas vezes o próprio país não quer se afastar, ainda serve de linha-mestra da representação cultural brasileira no exterior.


A grande variedade, indiscutivelmente cheia de qualidade, dos eventos do Festival Brazil flertam com o badalado multiculturalismo brasileiro no que toca as diferentes formas de representação artística, mas não do seu conteúdo. Está a Tropicália e o reconhecimento aos monstros sagrados que revolucionaram a arte brasileira; a batida de Mart´nália; uma sessão inteira dedicada ao Afroreggae e até um debate com a lenda do futebol, Sócrates. Estão presentes aqueles que fazem o cartão postal do Brasil: o Rio de Janeiro e seu samba, seus morros; a Amazônia; a Bahia; Pernambuco; favelas, maracatu, capoeira, e até os dilemas da violência urbana e as “criativas” formas brasileiras de enfrentar-los.


PARA ALÉM DOS TRÓPICOS


O que não está é o Brasil que não se vende nas agências de turismo. Um evento cultural internacional dessa dimensão não pode arriscar uma abordagem muito desconhecida. A proposta de descobrir o que o país faz e pensa hoje não se aventura para muito longe do mar e, portanto, não pode, necessariamente, ver o Brasil inteiro. O rural, o sertanejo, o bucólico, os pampas e tudo o que conforma o Brasil do interior não costumam a figurar. Menos ainda o Brasil sulista – com suas intersecções e intercâmbios com os povos castelhanos do Rio Del Plata – pois o frio e o cinza não podem ser brasileiros, a arte brasileira é tropical.


A própria diretora artística do Southbank Centre, Jude Kelly, apresenta o evento falando do Brasil através de três cidades - São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro – e sobre a capital carioca suas impressões são sintomáticas: “Praia, céu e mar fazem com que nesse lugar a busca por prazer seja uma questão inevitável, senão de princípio. Quando estive lá eu revisitei a palavra hedonismo, uma noção articulada pelos antigos gregos como a celebração ao prazer. (...) O Rio me fez entender a generosidade e o valor que o compartir prazer pode oferecer”.


Uma iniciativa de mérito, ainda que igualmente centrada na produção daquilo que vem da geografia tropicalizada brasileira, foi a inclusão simultânea de uma programação exclusiva sobre literatura brasileira no Festival Brazil e no London Literature Festival. O Brazilian Words é uma expressão de reconhecimento da produção escrita do país e trouxe a Londres nomes como Milton Hatoum, os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, Ana Maria Gonçalves, Maria Valéria Rezende e Patricia Melo e ainda Arnaldo Antunes.


A arte de Arnaldo é articulada de maneira multimidiática e intersemiótica, e em Londres ele se apresentou como performer, mais poeta do que músico, acompanhado de Marcelo Jeneci e de uma série de recursos materiais que justificam que ele seja chamado de “artista que desafia os gêneros de arte”.


Pode-se dizer que nosso ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, também buscou fazer a sua parte nessa possível ampliação de percepções sobre o Brasil durante o festival. Em seu show no dia 21 de julho, Gil avisou que só tocaria composições novas, em homenagem aos ritmos do interior do Nordeste, e assim foi. Xote, Forró e Baião tocados na sua guitarra, entre passinhos e pulinhos que não revelam que Gil já é quase um septuagenário, estiveram acompanhado de instrumentistas como o francês Nicolas Krassik e Sergio Chiavazzolli. É certo que o baião desde sempre influenciou o tropicalismo de Gil, mas um tributo direto a esse ritmo permitiu com que Luiz Gonzaga e Dominguinhos também fizessem sua aparição em Londres.


Ainda no âmbito da música também é digno de nota a participação daqueles que estão, por assim dizer, duplamente fora do eixo. O nome no festival que não está no panteão dos medalhões da arte brasileira é o grupo Porcas Borboletas. A banda abriu o show dos Mutantes sendo ainda pouco conhecida e sem pertencer nem a Rio ou São Paulo, nem mesmo Pernambuco, que é onde muitas das atenções a música brasileira em nível internacional estão voltadas atualmente. Uma expressão musical fora do litoral, os mineiros da Porcas Borboletas fazem rock com irreverência e letras inteligentes, inspirados em nomes como Arnaldo Antunes e Arrigo Barnabé. O comportamento de palco, porém, parece algo desorientado, com uma proposta performática onde a irreverência gratuita muitas vezes não se encaixa na musica, mas o estranhamento que essa conjunção causa é certamente provocador. Fiz uma entrevista exclusiva com a banda que foi publicada no site da RadioCom.


O Festival Brazil, diga-se com justiça, tratou de reconhecer que o país, apesar da sua crescente economia e relevância no cenário mundial ainda se enfrenta com ameaçadores problemas sociais. Nesse sentido o evento buscou discutir o Brasil também através de debates com intelectuais e ativistas que pensam o país com o olhar direcionado para o papel que a cultura pode desempenhar no desenvolvimento da sociedade brasileira. O ex-secretário Nacional de Segurança Pública, sociólogo Luiz Eduardo Soares, autor do livro que virou o filme Tropa de Elite (agora sendo lançado o Tropa 2), foi destaque do evento que pautou a violência urbana no país. Em debate com diretora da organização britânica Kids Company, Camila Batmanghelidjh, e com o diretor da People´s Palace Project, Paul Heritage, onde o conceito predominante foi a invisibilidade social, Soares fez questão de deixar claro uma opinião: “se o Brasil quer merecer realmente o título de país democrático ele terá que transformar profundamente suas forças policiais”.


A intenção de revelar o espírito do Brasil, como pautado pelos organizadores, numa das cidades mais cosmopolitas do mundo através de um festival de tamanhas proporções e com a presença de artistas de alto calibre é sem dúvida genuína, mas falta explicitar que esse é o espírito de um dos vários “brasis” que coexistem no mesmo corpo territorial. O Reino Unido pode estar descobrindo um Brasil, aquele dos trópicos, mas o país também tem outras almas de outras cores, posturas e expressões artísticas que igualmente se encontram nessas permanentes sessões de sincretismo cultural que é o Brasil e que não se acaba na sua ampla faixa litorânea.


LEIA O TEXTO COMPLETO TAMBÉM NO WEBSITE DO JORNAL bRASIL DE FATO AQUI.


2 comments:

Ediane Oliveira said...

A RádioCom ficou feliz com a entrevista. :]

Eu gosto do teu trabalho. Muito..

D&R said...

Impresso ficou muito bonito! Tá aqui guardado. Semana q vem vou lá buscar o Zizek e já terei uma coleção pra te entregar =)