Tuesday 11 April 2017

Textos curtos para Ítaca (XCIVXX?)


Hellcife

Ficava curioso sobre aquele outro cartaz, num posto de gasolina antes do trevo da Federal, que dizia: “proibido entrar sem camisa”, e agora eu sei.
                               (Também me intrigava; não, me indignava! a razão pela qual aquele prato ótimo e suculento estava cheioooo de coentro, mas isso eu ainda não sei...)

Recife não é lugar para andar com as mãos no bolso. Isso agora eu também sei.
- E é o quê, então, boy?
É concreto.
São camadas largas e ardentes em extensas avenidas sem árvores que bufam bafo queimante, e vertem vapor de cimento.
É ilha.
São incautos habitantes dum relevo de depressão absoluta rodeada por fluxos de miséria por todos os lados, buscando arquipélagos de torres envidraçadas, que refletem e reaquecem aquela luz de dar dó.
 Aquela luz toda rodeada de barrancos urbanos cobertos por lona plástica, sustentando suores de dores, e pó.
É nóia.
 Cidade que se deve ver olhando pra cima, cuidando pra não cair numa armadilha.
 E te mandam subir o vidro ali na próxima esquina que é onde luta, raiva e luto se empilha.
É agonia.
São patas biomecânicas riscadas nos seus muros e na minha pele. De Janga à Jangada as vejo onipresentes.
 É, Recife é pegajosa, afiada, e quente.
É dura.
São muitos calores pontiagudos naquelas mesmas linguas longas e cinzas onde fervem dois meninos tão pequenos que nem alcançam o vidro do carro, mas querem lavá-lo por 25-e-qualquer-centavos.
Não, não tem cura.
É mangue que fede.
Vai indo sem ganhar um xero,
sem o amarelo-capim das quatro da tarde,
sem variar a luz  sobre Capibaribe, vistas do último andar da Mamede.
Caranguejo eu só vi em restaurante, e um ali na rua, gigante, no meio da multidão.
“Foda-se Recife, você tem fodido o meu coração”*.
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*A última frase é uma alusão, em licença poética sem licença formal,à obra de Daaniel Araújo: